Na teoria do conto, um paralelismo com o boxe, apresentado pelo escritor argentino Julio Cortázar, é hoje incontornável: se o romance seria a expressão de vitória por pontos, o conto seria a da conquista por nocaute. Em ambos os casos, o escritor está diante de uma luta, e há também um adversário, que aceita, voluntariamente, participar dessa luta: o leitor. Radicalizemos a metáfora: a literatura ficcional é uma atividade violenta, em que dois adversários se enfrentam, mas de formaconsensuada, pelo prazer do risco e do gosto de se conhecerem em movimento. E, nesse jogo, se a glória do escritor é derrotar o leitor, de certo modo, a glória do leitor é ser derrotado pelo escritor. O escritor de contos que não nocauteia o leitor é um fracassado; o leitor, por outro lado, que crê ter vencido um escritor, ou seja, que não termina essas leituras com o gosto amargo de ter sido jogado ao chão da realidade ou da reflexão, sente-se igualmente um derrotado. A agressividade estilística de B. Kucinski se movimenta – como é o caso também da obra de uma de nossas melhores lutadoras, Lygia Fagundes Telles – igualmente bem nas lutas curtas do conto ou nos combates mais longos das vitórias por pontos. E garante sempre um inesquecível enfrentamento entre escritor e leitor, em que a metáfora aqui exposta cabe, com o perdão da má piada, como uma luva de boxe. Além disso, B. Kucinski observa, em sua escrita, amplos setores da sociedade brasileira. Não é um escritor da burguesia, da classe média ou dos trabalhadores. Circula por esses ambiente todos com espanto e ao mesmo tempo naturalidade, sem cair em lugares-comuns. Os mais de cem contos aqui reunidos, a começar por “A cicatriz”, que dá nome a este volume, trazem sempre essa tensão, a de que o nocaute pode vir a qualquer momento. Por outro lado, enquanto ele não chega, B. Kucinski permite ao leitor acreditar na bela ilusão de que resistirá até o último round.Haroldo Ceravolo Sereza