O romance apresenta Marcílio, um narrador ácido, complexo e, por vezes, surpreendentemente cômico. O personagem, por meio de uma narrativa ágil, reflete sobre sua convivência forçada ao longo de sete dias com duas crianças negras, de seis e oito anos, recém-adotadas por sua irmã Lena — Desembargadora do Tribunal de Justiça do Estado — e a companheira dela. Forçado a lidar com a invasão de sua rotina obsessiva e solitária, Marcílio — homem branco de 49 anos, fechado em sua própria realidade e eterno candidato a concursos públicos — constrói uma narrativa de desconfortos, críticas mordazes e humor seco sobre as inevitáveis interações com os novos sobrinhos. Tudo isso em uma casa ainda habitada por Nélia, sua mãe, uma idosa presa a uma visão de mundo desatualizada e repleta de preconceitos, e por Mimo, o gato que governa o lar com o autoritarismo de um autêntico Don Corleone felino. Ambientado em São Cristóvão, no Rio de Janeiro, o romance revela, com ironia e delicadeza, os contrastes entre passado e presente que atravessam tanto a família quanto o espaço em que vivem. A chegada das crianças não apenas rompe a rotina de Marcílio, mas o obriga a encarar desconfortos mais profundos — entre eles, a consciência de seus próprios privilégios e do lugar que ocupa como homem branco em uma sociedade desigual. A convivência com os sobrinhos traz à tona, sem didatismo, tensões antigas que sempre estiveram ali, agora visíveis nos gestos mais banais. Entre atritos, silêncios e pequenas descobertas, nasce uma ligação improvável, sustentada por estranhezas, provocações e raros lampejos de ternura. Marcílio, que no início vê os sobrinhos como um incômodo passageiro, acaba inevitavelmente transformado por essa convivência tão desconcertante quanto necessária.